Crítica

Entrevista de Elvira Vigna para a jornalista Irene Leite, do blog Som à Letra, de Portugal, em 24/04/2015

“A Pomba”, publicação marginal-literária brasileira, saiu irregularmente entre setembro de 1970 e julho de 1972. Estávamos em plena ditadura militar. Irreverente enquadrava-se num conceito alternativo de publicação, que nasceu de uma “atitude política” , como explicou a jornalista e escritora Elvira Vigna ao Som à Letra. Confira a entrevista.
A revista “A Pomba” foi feita dentro da casa de Elvira Vigna. Era lá que funcionavam as editoras Poster Graph e Bonde. A primeira editava revistas, a segunda, livros.
Elvira Vigna “não participava muito de suas decisões editoriais.Fiquei mais com a produção e com os livros da Editora Bonde”, adianta a jornalista e escritora no seu site oficial.
Houve várias publicações do tipo sob a ditadura militar. “No final, fizemos as outras, sempre pela Poster Graph”, confidencia Elvira Vigna.

1–Como e quando surgiu a ideia para “A Pomba”?

Eu e meu então companheiro, Eduardo Prado, perdemos nossos empregos ao mesmo tempo. Resolvemos fazer uma editora para sobreviver, já que conseguir outro trabalho seria difícil. Éramos jornalistas e era a época da ditadura militar brasileira.

2-O que vos motivou a criar esta publicação?

Uma atitude política.
Nossos empregos eram em uma revista de nu feminino, a ‘fairplay’. Resolvemos fazer uma paródia da ‘fairplay’ usando a nudez de forma política:
– a nudez não seria só a feminina, como de hábito, mas também masculina, o que foi um escândalo;
– a revista não teria uma aparência luxuosa, com papel brilhante e em cores, para ‘ricos’;
– contrataríamos modelos não aceitos pelo establishment, como negros, pessoas com corpos comuns e cenários cotidianos;
– os assuntos atacariam o pensamento dominante, mas de modo a que a censura não pudesse proibir: escrevíamos sobre o nazifascismo, psicanálise,fazíamos ironias com a moral burguesa, púnhamos fotos de mendigos como um contraponto à propaganda oficial do ‘milagre brasileiro’ etc.

3-Que princípios orientavam a vossa acção no início da década de 70?

Queríamos poder exprimir maneiras de ser e viver, pensamentos e hábitos considerados ilegais.

4-Ao analisar a escrita e o grafismo identifico uma fresca irreverência . Foi difícil mantê-la em tempos conturbados?

A dificuldade não era exercê-la, mas sustentá-la economicamente. A revista não se pagava e não conseguíamos anunciantes.As empresas tinham medo de associar sua marca a publicações da imprensa marginal. Foi um problema de todas as publicações da época com esse perfil.

5-Como funcionava a vossa rotina? A sua casa era o centro da criatividade...

A casa era aberta.Ninguém fechava a porta.
O edifício estava em construção e, na verdade, ainda não tínhamos licença da prefeitura para habitar o apartamento em obras.Então era um movimento constante o dia inteiro e não só de jornalistas, mas também de pedreiros e operários da construção do edifício.
Não tinha nada que pudesse ser chamado de ‘rotina’.

6-Guarda alguma história que a tenha marcado em particular sobre esta publicação?

O desenhista argentino Quino, da personagem em quadrinhos Mafalda, nos visitou um dia. Ele errou o apartamento (justamente pela dificuldade em entrar em um edifício ainda em construção). Minha prancheta ficava de frente para a janela que dava para o outro apartamento do andar.Quando levanto os olhos, tem aquela pessoa acenando freneticamente para mim, do outro apartamento, perguntando como fazer para ir até lá.

7-Tinham percepção da receptividade do público?

Tínhamos amigos.Os amigos gostavam, participavam, nos divertíamos muito. Fizemos amigos novos. Mas hesito em chamar nosso grupo de ‘público’.

8-Como recorda os tempos desta publicação?

Risadas e mais risadas, inclusive da censura, que liberava as edições para a gráfica sem notar que quando falávamos do nazifascismo alemão estávamos falando deles.

9-Que conselho dá aos mais jovens que se aventurem em novos projetos jornalisticos de forma empreendedora?

A editora faliu. Acho que não vou dar conselhos.

10-O ultimo número de “A Pomba” contou com a Elvira como coeditora. Como foi a experiência e despedida?

Já sabíamos do fim. E o grupo se dissolvia. Então foi a parte triste de uma história alegre.

11-Refere no seu site oficial que partilha as edições desta revista porque se referem a uma parte da sua vida. É algo que deixou marcas para sempre , portanto. Há alguma lição desta grande aventura a destacar?

Esse cenário do edifício em construção e o clima dessas pessoas nessa época foram transcritos de forma rápida, não central à trama, no meu livro ‘o que deu para fazer em matéria de história de amor’. Lá está, por exemplo, o pôquer que jogávamos e como era exatamente esse apartamento.